A história do Kyokushin

Hyung Yee nasceu na Coréia em 1923. Adotou o nome japonês “Masutatsu Oyama” (elevação da alta montanha) quando decidiu dedicar sua vida ao karate.Em sua terra natal, Hyung Yee descobriu cedo as artes marciais locais, principalmente o tae-kyon e o tae-kwon-pup, raízes do tae-kwon-do. Ainda em seu país, Oyama estudou também diferentes formas do kenpo chinês e japonês. Nessa época, o principal modelo de Oyama era Otto von Bismarck, unificador da Alemanha. “Queria ser o ‘Bismarck do Oriente’. Então, saí de casa aos 13 anos e fui para Tóquio”.Na capital japonesa, Oyama praticou inicialmente o judô. Em 1938, matriculou-se na escola de karate shotokan. “Pratiquei o shotokan, mas já duvidava de sua abordagem linear. Não gostava da idéia de controlar minhas técnicas. Era rígido demais para mim, então saí”. Oyama deixou o dojo shotokan dois anos depois. Passou a dedicar-se, então, ao goju-ryu e ao estudo Zen.”No karate, o espírito conta mais que a técnica ou a força. É ele que permite ao indivíduo se mover e agir em plena liberdade. Para fortalecer o espírito, a meditação Zen é muito importante. Através dela, podemos vencer a emoção e o pensamento. O homem que quer seguir a via do karate não pode negligenciar o Zen e o aperfeiçoamento espiritual”.

EXÍLIO VOLUNTÁRIO

Em 1948, Oyama se impôs um exílio voluntário de 18 meses, no monte Kiyosumi (Japão). “Todos que se dedicam a uma causa devem passar por um período de isolamento. Meu treinamento cotidiano começava bem cedo, com uma sessão de purificação espiritual sob as águas geladas de uma cascata. Depois, eu voltava correndo à minha humilde moradia para continuar o treino. Mudava pedras e troncos de árvores de lugar, mergulhava nas torrentes geladas. E terminava o treino matinal com nova sessão de meditação. A tarde era dedicada à prática do karate. Instalei makiwaras nos troncos das árvores e os golpeava durante várias horas, com os punhos e com os pés. Exercitava também o quebramento até que o estado de minhas mãos me impedisse de continuar”.Na medida em que Oyama tomava consciência de sua força, um projeto começou a germinar em seu espírito: o de realizar uma façanha fora do comum, que provasse a superioridade do karate sobre todas as outras formas de combate a mãos nuas. Decidiu repetir o feito de certos praticantes de kenpo de Okinawa e abater touros.

DUELO COM TOUROS

Oyama foi a diferentes matadouros da prefeitura de Shiba, a fim de testar seu poder de golpe. Depois de várias tentativas cuidadosas, ele conseguiu abater o primeiro touro. A técnica consistia em desferir um golpe com o punho direto (tsuki) sobre a fronte do animal.Em 1950, pela primeira vez, Oyama enfrentou um touro em uma arena. O animal dobrou sob o efeito do primeiro tsuki, mas Oyama não conseguiu acabar com ele. Tentou um golpe circular com a mão (mawashi-shutô-uchi) e quebrou os chifres do animal. Depois disso, no Japão e nos Estados Unidos, enfrentou 52 touros, partindo os chifres de 49 e matando os outros três. Um desses confrontos foi filmado pela Shochiku Motion Picture.

A PROVA DOS CEM COMBATES

Ainda restava um desafio a ser vencido. Oyama decidiu reviver, no Karate Kyokushin, uma antiga prova praticada nas escolas de kendo e judô: os cem combates.Oyama foi além. Lutou por três dias consecutivos. Cem combates a cada dia. Oyama saiu seriamente ferido de uma das provas, mas venceu todas elas.

A OrganizaçãoEntre 1952 e 1954, a convite da US Professional Wrestling Association, Oyama fez mais de 200 demonstrações pelos Estados Unidos e aceitou numerosos desafios contra lutadores e pugilistas.”Na verdade, não tinha vontade de partir nessa turnê. Desgostava-me aceitar dinheiro por demonstração de Budo, mas era preciso viver. Ofereciam-me 100 dólares por semana e todas as despesas pagas. Para o pós-guerra, no Japão, era uma fortuna. Eu era muito forte nesse tempo. Poderia ser campeão de atletismo, mas tudo que me interessava era o karate”.Em 1954, Oyama retornou ao Japão onde fundou o primeiro “Oyama Dojo”.A organização Kyokushin-Kai foi fundada três anos mais tarde, em 1957. Oyama preferiu deixá-la à margem das outras organizações japonesas de karate, pois não apreciava o business-karate e os constantes desentendimentos da Japan Karate Association. Pagou um alto preço por isso.

“Queria realizar o primeiro campeonato mundial no salão de artes marciais (Budo-kan), em Tóquio. Era o único imóvel capaz de acomodar mais de 10 mil espectadores. Entretanto, notificaram-me que o Budo-kan não seria alugado para mim, pois achavam que o Kyokushin não era um karate legítimo. Porém, mais tarde, verifiquei que um poderoso dirigente de outra associação de karate estava por trás do incidente. Alguns anos antes, ele havia me oferecido uma grande ajuda financeira se eu concordasse em filiar o Kyokushin à sua organização, mas eu recusei”.

Em 1958, Edward Bobby Lowe criou a ramificação havaiana da Kyokushin-kai e, no ano seguinte, organizou, em Honolulu, o First Hawaian Karate Tournament, primeiro torneio oficial de Karate Kyokushin. Nessa ocasião, Oyama fez uma demonstração de kata e quebramento. Em 1960, o segundo torneio havaiano já contava com a participação de 16 países.Em 1962, foi organizado no Madison Square Garden, em Nova Iorque, o primeiro North American Open Karate Tournament. Dois anos depois, a organização Kyokushin já ocupava espaço na crônica internacional ao ter aceitado um desafio lançado por lutadores tailandeses. A escola de Oyama delegou três de seus representantes para ir a Bangkok.Neste mesmo ano, foi criada a International Karate Organization (IKO). Hoje, a organização Kyokushin está presente em mais de 130 países. Todos os anos, em cada um deles, realizam-se competições regionais e nacionais que preparam os competidores para o torneio mundial de Tóquio, a cada quatro anos.

Shokei Matsui nasceu em 15 de janeiro de 1963, em Chiba, Japão. Desde criança, demonstrava interesse em praticar esportes. Fez ginástica olímpica, natação e kendo. Mas seu maior desejo era aprender karate.Aos 13 anos, ingressou na Matriz Mundial de Karate Kyokushin, em Tóquio. Renunciou a todas as diversões e, três anos depois, já era faixa marrom no estilo.Em 1979, Matsui participou pela primeira vez do Campeonato Regional Norte do Japão e se classificou em 5º lugar. Era o início da maratona por colocações melhores. No ano seguinte, foi vice-campeão do I Campeonato do Estado de Chiba. Ainda aos 17 anos, participou do XII Campeonato Nacional e ficou entre os 4 melhores.Em 1983, durante o XV Campeonato Nacional, Matsui fraturou três costelas. Mesmo machucado, venceu mais duas lutas. E continuaria o combate não fosse a intervenção do Mestre Oyama.

O EPISÓDIO O FEZ REFLETIR E INTENSIFICAR O TREINAMENTO

Apesar do esforço, no ano seguinte, Matsui não pôde participar do XVI Campeonato Japonês. Ao fazer agachamentos com uma carga de 200 kg, deslocou a coluna e teve que suspender as atividades físicas por seis meses.Exemplo de garra e determinação, Matsui chegou ao título de campeão nos XVII e XVIII Campeonatos Nacionais.Com a proximidade do campeonato Mundial, Matsui passou a treinar de 8 a 10 horas por dia. Embora não estivesse entre os favoritos ao título, Matsui surpreendeu a todos e sagrou-se o campeão entre os 207 atletas participantes!Indagado sobre o que fora preciso para alcançar a primeira colocação, Matsui deu uma lição: “Primeiro, ficar forte. Depois, confiar em si próprio e treinar muito. Não esquecer o valor do kihon. Ter sempre disposição e vontade de avançar cada vez mais. E fazer do karate uma parte da própria vida, seja nos momentos alegres ou tristes”.

Depois de sua aposentadoria como atleta, em 1987, Matsui passou a técnico da seleção japonesa e viajou ao redor do mundo junto do Mestre Oyama para dar demonstrações técnicas da arte.Com a morte do Mestre Oyama, em 1994, a indicação de Shokei Matsui para sucedê-lo surpreendeu a todos. Mas, foi o próprio Mestre quem o escolheu, em seu testamento. No início, ninguém acreditava que Matsui, com apenas 33 anos, conseguiria dar continuidade aos planos do Mestre.Após a realização do primeiro Mundial organizado por Matsui, as opiniões sobre ele mudaram.

MESTRE OYAMA HAVIA TOMADO A DECISÃO CERTA

Comecei a praticar karate com 15 anos de idade. Conheci o mestre Mas. Oyama quatro anos depois.Aos 21 anos, desisti da carreira de engenheiro agrônomo e passei a trabalhar como instrutor na matriz Kyokushin-kai, em Tóquio.A convivência com os veteranos na academia durou dois anos e meio e, nesse ínterim, conseguir me graduar como 2º grau na faixa preta. Como previsto, retornei à minha cidade natal, Fukui-ken, para abrir uma academia.

Posteriormente, fui designado a participar do convívio do karate fora do Japão, em países como China, Austrália e Estados Unidos.

Ao final de minhas viagens, chegou-se a um consenso de que meu destino final seria o Brasil. Em 10 de outubro de 1972, desci no Aeroporto Internacional de Viracopos, na cidade de Campinas, em São Paulo.Lembro-me que chovia torrencialmente naquele dia e me assustei com as condições do aeroporto: isolado, localizado em meio a uma densa vegetação, nada parecido com os outros que conheci.

Sem saber ao certo onde estava e sem falar ou entender uma palavra em português, segui os demais passageiros até chegar ao portão de desembarque, onde ouvi uma voz dizer “OSSU”. Só então senti que estava no aeroporto de Viracopos de verdade, e me veio a lógica de que São Paulo era um lugar amplo e repleto de oportunidades.

Minha maior surpresa aconteceu chegar ao centro de São Paulo e me deparar com altos prédios aglomerados e uma infinita quantidade de carros correndo para todos os lados.Pela primeira vez em minha vida, fiquei inseguro. Estava fadado a ficar num país desconhecido, cujo idioma não sabia nem uma palavra.

Porém, com o tempo, passei a conhecer os costumes do Brasil, e os próprios alunos da academia me ensinaram o idioma português.

Hoje, posso dizer que meu maior aprendizado foi o de gostar deste país que é vinte e cinco vezes maior que minha terra natal, o Japão.

Descobri que, no Brasil, a lei é o calor humano. Aqui, reina o homem, enquanto que, no Japão, o homem concorre com o tempo e com as máquinas. Aos poucos, percebi que o povo daqui jamais seguiria os princípios japoneses, o que me fez tomar a primeira grande decisão: ficaria no Brasil de três a quatro anos e, depois, retomaria a meu país de origem.Passados seis meses, coloquei-me em xeque novamente. Lembrei as palavras do mestre Mas. Oyama: “O que você vai fazer voltando a um país tão pequeno e apertado se aí, no Brasil que é 25 vezes maior, é certo que terá mais chances? Gostaria que você ampliasse os princípios do Kyokushin na América do Sul e que se servisse de base para a introdução desta atividade…”.

Comecei a pensar também nas palavras meus alunos brasileiros:

“Já estávamos acostumados com seus métodos. Se ficar apenas quatro anos conosco e, depois, retornar ao Japão, nos encaminharão um outro e nós nunca saberemos em quem confiar ou de quem seguir os passos…”.

Resolvi, então, fazer uma aposta comigo mesmo. Veria até onde conseguiria chegar e o que conseguiria fazer para que o Kyokushin se tornasse conhecido por todos.

Em agosto de 1973, meu objetivo estava traçado.

A partir de então, passei a me dedicar intensamente à descoberta de meios para aprimorar o ensino do Kyokushin e fazer com que os adeptos confiassem em mim e seguissem meus passos. Queria fazer nascer, na América do Sul, atletas de nível, capazes de enfrentar adversários de diversos países.Após anos de árduos treinos e de convivência com vários alunos, surgiram muitos e esplêndidos praticantes, mas ninguém conseguiu superar ou mesmo se igualar ao nível técnico de dois atletas: FRANCISCO FILHO e GLAUBE FEITOSA.

Desde o início, ambos cresceram como grandes atletas, disputando as primeiras posições com karatecas de nível internacional. Em 1999, Francisco Filho sagrou-se campeão mundial, concretizando, assim, um de meus objetivos quando vim ao Brasil.

Filho e Feitosa deixaram um caminho a ser trilhado por outros brasileiros, como Ewerton Teixeira, por exemplo, franco favorito a vencer o mundial de 2007.

Mas, para fazer com que os competidores brasileiros atingissem esse nível, e se tornassem atletas renomados e de grande respeito, além de meu empenho, foi fundamental o apoio do coronel REIZO NISHI. Não poderia deixar de citar, ainda, o amigo de mais de trinta anos, capitão MÁRIO UETI.

Agradeço, também, à família OKAMOTO pelos conselhos e, principalmente à família que constituí aqui no Brasil, que soube me compreender sem contradizer minhas reclamações.

Devo ressaltar o amparo recebido por parte de todos os superintendentes desta modalidade, instrutores e alunos que participam ou um dia participaram da família Kyokushin.

Fonte: Site Liberdade